Ignorância de Selassie<br> sobre Portugal ou manipulação?

Eugénio Rosa

Procurando acalmar a reação geral provocada pelo disparate/falsidade que consta do Relatório do FMI, de que em «Portugal as transferências sociais concedem maiores benefícios aos grupos com rendimentos mais elevados do que aos grupos com rendimentos mais baixos, agravando as desigualdades», sendo portanto «um sistema de proteção social regressivo» (pág. 14), a qual revela ou uma grande ignorância sobre o nosso País ou a intenção deliberada de manipulação da opinião pública, o sr. Abebe Selassie, em declarações agora divulgadas pelo Jornal de Negócios de 18.1.2013, vem dizer o seguinte: «É muito importante separar os gastos com pensões de outros gastos sociais»; «três quartos de despesa social recai sobre pensões que são menos dirigidas em termos de redução de pobreza de idosos».

Com esta afirmação Selassie revela dois tipos de ignorância: (1) Que não conhece a importância do sistema de pensões na diminuição da pobreza em Portugal; (2) Que não sabe o que é um sistema de pensões que se baseia na lei que o Estado, se for pessoa de bem, deve respeitar, a qual estabelece que os pensionistas têm direito a uma pensão de acordo com as remunerações que descontaram e com o período de tempo que contribuíram. Em relação à 2.ª questão não vamos perder tempo (aconselhamos o chefe do FMI a estudar as leis do sistema de Segurança Social), mas em relação à 1.ª, em que Selassie mostra ignorância em relação à realidade, vamos analisar os efeitos das pensões na diminuição da pobreza em Portugal.

Pensões reduzem 70% da taxa
de risco de pobreza

Segundo o INE, em 2011, 42,5%, ou seja, 4 488 926 portugueses estariam na situação de pobreza se não existissem transferências sociais, que incluem as pensões. Com as transferências sociais, aquela percentagem diminui para 18%, o que corresponde ainda a 1 901 192 de portugueses a viver com menos de 360 euros por mês (14 meses). Portanto, as transferências fazem reduzir o número de portugueses a viver na pobreza em 2 587 734. Deste total, 69,8%, ou seja, 1 806 238 portugueses só não vivem em situação de pobreza devido a receberem pensões. Os portugueses que não estão na situação de pobreza devido às outras prestações sociais (não considerando as pensões), são 781 495. E interessa lembrar mais uma vez que o limiar da pobreza oficial é de cerca de 360 euros (14 meses), e quem auferir mais do que este valor já não é considerado pelo Governo como pobre.

Afirmar, como fez Abebe Selassie, chefe da missão do FMI na troika que «as pensões são menos dirigidas em termos de redução de pobreza de idosos» do que «os outros gastos sociais» é revelar uma grande ignorância sobre a realidade portuguesa ou mentir descaradamente.

Dramaticamente, o que tem acontecido em Portugal, contrariamente também ao que o Relatório do FMI afirma, é que a maioria das pensões mínimas quer da Segurança Social quer da CGA não têm sido atualizadas como revelamos no estudo que divulgámos em 4.1.2013 (Ver nosso estudo «Governo mente quando afirma que todas as pensões mínimas foram atualizadas»)

FMI defende redução
brutal das pensões

Dados divulgados pela Segurança Social e pela CGA mostram os valores muito baixos que continuam a ter as pensões em Portugal.

Em 2011, 64% dos pensionistas da Segurança Social e da CGA recebiam pensões inferiores a 419 euros/mês, e 77,3% pensões inferiores a 750 euros/mês. Apesar disto, o FMI defende no seu Relatório um corte geral em todas as pensões entre 10% e 20%, o que significaria um corte no rendimento dos pensionistas estimado, pelo próprio FMI, entre 2250 milhões euros e 4500 milhões euros por ano; a aplicação retroativa a todos os pensionistas do valor do fator de sustentabilidade de 2000-2007, o que significava mais um corte nos seus rendimentos entre 600 e 800 milhões euros, etc., etc. E isto quando as despesas com a proteção social por habitante em Portugal são já muito inferiores à média dos países da União Europeia, como revelam os dados do Eurostat.

Já em 2010, a despesa com a proteção social por habitante em Portugal era apenas 56,2% da média da UE27; 29,7% da Dinamarca; 43% da Alemanha; 24% da do Luxemburgo, etc. E mesmo assim o FMI defende a sua redução.



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